Meu bisavô, Pedro Agápio de Aquino, formou-se médico na primeira faculdade de medicina do Brasil, a Escola de Cirurgia da Bahia (atual UFBA – Universidade Federal da Bahia), em Salvador. Depois de quase ir do Oiapoque ao Chuí para clinicar acabou por se fixar em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo.
Não o conheci, mas tenho na memória histórias que minha mãe me contava sobre ele, clínico e cirurgião geral que era… tratava unha encravada, amputava membros, engessava braços, operava estômagos, vesículas, retirava amídalas e, até onde sei, foram pouquíssimas as vítimas fatais resultantes de seus mirabolantes e surpreendentes procedimentos. Para a época, início do séc. XIX, um faz tudo tipo pedreiro-encanador-eletricista.
Então, é aqui o ponto que quero levar à discussão e, absolutamente, não quero ter razão e nem proponho uma volta ao passado, mas apenas trazer à tona e questionar a fragmentação na qual as recentes escolas de design estão estruturando suas grades curriculares.
Estudei entre 1975 e 1979 em uma faculdade de arquitetura que contemplava (na época!) um período básico e nos demais anos, além das matérias obrigatórias, podíamos nos matricular em optativas para cursos que nos abriam caminhos para 5 diferentes habilitações: projeto de arquitetura, desenho industrial, comunicação visual, paisagismo e urbanismo. De minha turma, se não me engano, uns 20% “viraram” arquitetos de fato (isso, projeto de edificações como reza o figurino)… os demais, face à amplitude de horizontes que o curso nos proporcionava, foram atuar nas mais diversas áreas… fotógrafos, músicos, cineastas, poetas, publicitários, cenógrafos, professores de ioga, escritores, inclusive designers.
Uma formação geral que permitia irmos decidindo e nos habilitando conforme nossas descobertas e afinidades. Aprendíamos projeto. Aprendíamos a projetar. Projetar nossas vidas, o nosso dia, uma casa, cadeiras, automóveis, vasos, pictogramas, liquidificadores, livros, folhetos, enfim, a gente arriscava e riscava o que viesse pela frente. Não havia rotina que nos prendesse. Sempre senti e sinto que a graduação é para abrir nossas cabeças, para construir roteiros.
Há pouco meses, encontrei o mestre Baravelli (Luiz Paulo), aqui em Ribeirão Preto, na abertura de uma de suas sempre surpreendentes exposições e pudemos relembrar uma de suas ótimas crônicas (foram muitas!) publicadas na Folha de São Paulo no decorrer da década de 80… o título desta era “marcha à ré” e propunha aos recém-formados enfiarem suas violas nos seus respectivos sacos e começarem a projetar e reprojetar as coisas mais simples do cotidiano para melhorar a vida das pessoas antes de caírem no mundo da soberba projetando castelos e fortalezas intransponíveis (de péssimo gosto, sempre) e cadeiras maravilhosas, mas quase impossíveis de acomodar adequadamente nossas bundas.
Ainda considero o copo americano um dos top 10 (que tem muito mais de 100!) do design mundial pela sua simplicidade, utilidade e, porque não, elegância? Podemos querer algo mais prazeroso do que beber uma cerveja gelada num copo desse que apesar de americano é nacionalmente conhecido e reconhecido!
Há ferramentas demais e pouco lápis e papel… não, não proponho voltar ao uso de apontadores e borrachas, lápis e papel são apenas simbólicos, falo em exercitarmos mais o olhar, aprimorar mais nossas percepções e retratá-las imediatamente no papel (ou no monitor)… a melhor câmera fotográfica são os nossos olhos, o que vemos, selecionamos e, principalmente, o que sentimos através deles. Para sentir é preciso “estar” no palco… e quem não “está” não sente e vira simples vítima dos cenários, das circunstâncias e da opinião externa (confesso, aqueles gráficos em forma de pizza de percepção de consumo me dão uma tremenda coceira…).
O design tem que ser antes de tudo um causador de emoções, de surpresas e que seja percebido e valorizado como tal, um agente de melhora do comum, um antecipador de soluções e não um criador de novidades inúteis muitas vezes chamadas de “inovação”. Quem define inovação e valor é quem consome. Como sabemos, não precisamos reinventar a roda.
Fato é, que para mudar um cenário temos que agir como clínicos gerais em parceria com o mercado, com as demandas latentes dos consumidores, materializando os seus desejos como agentes transformadores que somos e, porque não também nos surpreendermos?
É por isto que acredito na criação de escolas de projeto, aquelas onde a gente aprende a pensar e fazer… pensar e fazer muito e rápido… agir é o verbo. É preciso estar permanentemente no olho do furacão, pensar, fazer e compartilhar sem precisar gastar uma fortuna em postitis pregados na parede lembrando que todos nós somos designers, afinal quem é que criava na época da pedra lascada?